quinta-feira, 24 de abril de 2008

Análise de Jesus Chorou

Essa é a segunda música que eu analisei dos Racionais, fiz essa escolha para abordar o tema da fama, como o grupo lidava com essa questão, uma vez que já tinha alcançado status no cenário musical brasileiro e já era considerado uns dos melhores grupos de Rap Nacional.

Não quero status, nem fama!

Análise da música Jesus Chorou

“Quanto maior a fama, maior o número de inimigos, maior o número de pessoas que querem quebrar as suas pernas, te derrubar. Mais você vai ter que provar para os outros, mais você vai ser registrado e mais, você será cobrado” Mano Brown (Março de 2004) .

Em Jesus Chorou Mano Brown, como enunciador principal na narração, faz relato de “uma fita que o abalou” . A narrativa de um fato normal do cotidiano carrega vários indicativos da relação do grupo com a fama, com as pessoas que se aproximaram devido ao status alcançado pelo sucesso no cenário musical do rap. Essa relação não parece apenas nessa música do álbum, de certa forma essa temática tornou-se recorrente a partir desse trabalho. Sobre o disco

"O disco representa uma face de lirismo, consciência da passagem do tempo e reflexão sobre a posição social do grupo se não é absolutamente inédita nas composições dos Racionais, ainda não havia aparecido de forma tão evidente e tocante".


A narrativa é um desabafo, uma descrição da dor do enunciador ao ver que em determinado momento todos os ideais que prega através da música, os ideais geradores do Hip hop, se esvaecem diante da incompreensão dos invejosos e, também, das pessoas por quem ele lutou até o momento. É desilusão com a fama nos moldes ditados pela indústria cultural.

O que e o que é??
Clara e salgada, cabe em um olho e pesa uma tonelada...tem sabor
de mar,
pode ser discreta, inquilina da dor, morada predileta....na
calada ela vem, refém da vingança, irmã do desespero, rival da
esperança... pode ser causada por vermes e mundanas...e o
espinho da flor, cruel que você ama amante do drama,
vem pra minha cama, por querer, sem me perguntar me fez sofrer..
e eu que me julguei forte...e eu que me
senti...serei um fraco, quando outras delas vir..se o barato é
louco e o processo é lento...no momento...deixa eu caminhar
contra o vento...o que adianta eu ser durão e o coração ser
vulnerável...
o vento não, ele é suave, mas é frio e implacável
borrou a letra triste do poeta
correu no rosto pardo do profeta..
.verme sai da reta...a lágrima de um
homem vai cair...esse é o seu B.O. pa eternidade...
diz que homem não chora...
ta bom, falou...não vai pra grupo irmão ai ....
JESUS CHOROU ! ! !


No início de forma lúdica, num jogo de adivinhação o enunciador descreve o seu momento de dor, nesse instante há apresentação dessa situação de drama. Todo esse discurso remete a maior expressão de exteriorização da dor - a LÁGRIMA. O título Jesus Chorou remete ao tema da música, ele -Jesus- é o exemplo da força, da resistência a tudo que o atingiu até o momento da crucificação e, ao mesmo tempo teve o seu momento de dor e a ação de colocar isso em evidência ao chorar. Não que Brown, o narrador-enunciador, tenha a pretensão de ser um líder como Jesus, mas em seu ambiente de influência, em uma escala menor, ele é exemplo para muitos.


A reportagem de Phydia de Athayde para Carta Capital oferece indicações do que seria o “poder” de Brown na sua “quebrada”

"Ele fala pouco. Quando o faz, jamais é interrompido. Metade, na roda, nada diz. Os de sempre se movem seguindo à risca a liturgia. Liturgia não escrita nem falada. Apenas apreendida. Se Brown anda 5 metros para esquerda, fazem o mesmo. Em silêncio. Não são fãs. São amigos".


E, agora o enunciador admite a sua fraqueza, embora seja considerado um forte pelos amigos, e tenha construído mesmo que inconsciente a fama de durão ele se sente fraco, como ele mesmo afirma “o que adianta ser durão e o coração ser vulnerável”.
Na seqüência o enunciador passa a narrar os acontecimento que desencadearam essa dor e o que fazer agora, quando tudo que ele acredita e lutava parecia se esvaziar no ar. Uma “fita” contada pelo outro locutor dessa música o abalou e criou essa crise interior do primeiro narrador. Embora, a sua voz interior insista no “espírito do Capão”, expressão que simboliza a luta que ele trava pelo seu local de origem por meio da sua força como artista, algo o abalou, fato que criou uma situação de desmoronamento de seus ideais.

O que fazer quando a fortaleza tremeu
E quase tudo ao seu redor melhor
Se corrompeu
Epa pera lá muita calma ladrão!
Cadê o espírito imortal do Capão? [...]
Uma fita me abalou na noite anterior


No próximo trecho aparece o fato desencadeador de todo o discurso dessa música, uma ligação de um amigo sobre o acontecimento da noite anterior, o fato em si não tem a importância central da letra, mas justifica o sentimento apresentado pelo enunciador. Segundo o outro enunciador na noite anterior ele saiu para “fumar um” e nessa “atividade” presenciou o desabafo de outro individuo sobre a posição de Brown - o primeiro enunciador- como artista.
Na história, o segundo enunciador e mais algumas pessoas estavam no local quando apareceu o indivíduo que não era de lá, mas ficou ali para participar da “atividade”, como o grupo estava ouvindo uma música dos Racionais cantada por Brown, ele fez um desabafo sobre o que achava do cantor. Como segue na narrativa

tava eu mais dois truta e uma mina
num Tempra prata show filmado ouvindo Guina
o bico se atacou ó, falou uma pá do cê...
Esse Brown aí é cheio de querer ser, deixa ele moscar e cantar
na quebrada, vamo ver se é isso tudo quando ver as quadrada,
periferia nada, só pensa nele mesmo, montado no dinheiro e vocês
aí no veneno [...]
cada um no seu corre [...]
eu mesmo se eu catar voa
numa hora dessa, vou me destacar do
outro lado de pressa, vou comprar uma house de boy
depois alugo,vão me chamar de senhor não por vulgo
mas pra ele só a zona sul que é a pa [...]
porque eu não pago pau pra ninguém [...]


NOTAS

RACIONAIS MC´s.Jesus Chorou. In:______. Nada como um dia após o outro dia. São Paulo: Zâmbia, p.2002. 2 CDs. CD 2 (54 min 31s), faixa 4 (7min 51s).
Alguns trechos da letra foram suprimidos. A letra inteira segue em anexo.

ATHAYDE, Phydia de. Brown: o mano Charada.Carta Capital.São Paulo, n.310, p.10-17, 29 set.2004. p.16

Fita: acontecimento, fato.
Grifo da autora.

ZENI, Bruno. O negro drama do rap: entre a lei do cão e a lei da selva, fev.2004. Disponível em: Revista Scielo Acesso em 5 nov.2004
Quebrada: bairro ou rua que é local de moradia.

ATHAYDE, Phydia de. Brown: o mano Charada.Carta Capital.São Paulo, n.310, p.10-17, 29.set.2004. p.13.

Fumar um: fumar maconha

2 comentários:

Unknown disse...

Muito interessante sua leitura dessa música. A letra dos racionais sempre são cabulosas e de difícil interpretação, pois eles ligam diferentes histórias, gírias, situações e nem sempre de forma clara.

Unknown disse...

Não entende oque eu sou, não entendo oque eu faço
Não entende a dor e as lagrimas do palhaço...